O ESTUDO DO DIREITO E O OLHAR SOCIAL.
Suzany Reck Herrmann – advogada
Não é à toa que o Direito compõe sua denominação como o estudo das ciências jurídicas e sociais. Não restam dúvidas da importância desta análise, ainda mais que seu objeto, cujas influências decorrem de uma construção histórica, envolvem da sociedade como um todo.
Estudar as ciências jurídicas e sociais é refletir sobre conflitos, compreender costumes e os seus limites nas diferentes esferas sociais, é abarcar, uma perspectiva jurídica, às diversas garantias fundamentais, é estabelecer uma interação harmônica entre seres.
A Ciência do Direito pode ser definida como: “[…] estudo metódico das normas jurídicas com o objetivo de descobrir o significado objetivo das mesmas e de construir o sistema jurídico, bem como de estabelecer as suas raízes sociais e históricas.”[1]
Nas palavras do doutrinador Miguel Reale, assim é contemplado o assunto:
A Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico em todas as suas manifestações e momentos. Aos cientistas do Direito interessa essa experiência não apenas já aperfeiçoada e formalizada em leis, mas, também, como vai aos poucos se manifestando na sociedade, nas relações de convivência. A Ciência do Direito é, portanto, uma ciência complexa, que surpreende o fato jurídico desde as suas manifestações iniciais até aquelas em que a forma se aperfeiçoa. […].[2]
Com base nesta perspectiva e entendendo que o direito é um tema de repercussão significativamente social, como jurista, compreendi a importância do meu papel, perante a sociedade. Observei, nessa trajetória de mais de 10 anos trabalhando na área, que muitos dos problemas judicializados são frutos de um mau acolhimento social.
É necessário olharmos mais solidariamente para a nítida realidade social que enfrentamos e isso independe da esfera profissional! O Direito não se resume a demandas judiciais; o Direito, é tudo que nos cerca, é tudo que mantém nossa sociedade funcionando de maneira organizada (dentre outros). Dessa forma, se pudermos nos envolver com o próximo, defendemos que garantias fundamentais cheguem a todos aqueles que não dispõem do que o Estado deveria prover – ainda legalmente falando -.
Após toda reflexão de valores, objetivos de vida pessoal e profissional, hoje, honrosamente me orgulho de dizer que componho o quadro de Diretores Adjuntos do Banco de Alimentos de Porto Alegre, o primeiro Banco de Alimentos criado no Brasil e que no ano de 2020 completará 20 anos de muito trabalho.
O Banco de Alimentos é uma organização da Sociedade Civil de Interesse Público, criado no ano de 2000, no Conselho de Cidadania da FIERGS, que desde então já arrecadou e distribuiu mais de 50 milhões de quilos de alimentos, beneficiando 193 instituições de Porto Alegre, equivalendo a 20 mil famílias mensalmente. Com o objetivo de buscar o combate à fome, obesidade, desnutrição, levando o alimento com saúde e segurança alimentar, visa a proteção da saúde, bem-estar, menor evasão e melhor assimilação na escola, diminuição da violência, maior inclusão social, mais respeito, mais dignidade, mais cidadania para o povo.
O trabalho do Banco de Alimentos contempla a ajuda de milhares de voluntários de diferentes áreas da sociedade como um todo, vencendo o desafio de erradicar a FOME, representando com isso o compromisso e a responsabilidade de cada um com o seu semelhante. Exemplo de “Auto-Gestão” da sociedade, isto significa dizer que a própria população é capaz de buscar soluções para suas demandas sociais, contando além da generosidade e espírito de solidariedade da população, com a participação de “um pouquinho de cada um”, para resolver um problema de tamanha amplitude social.
Seus diversos projetos e campanhas ao longo dos anos dão suporte e apoio a inúmeras Instituições cadastradas em Porto Alegre e região metropolitana, atendendo a população carente.
A exemplo disto, imprescindível citar a tradicional Campanha “Natal do Bem”, que bateu um recorde de doações: 591 toneladas de alimentos arrecadados e distribuídos para mais de 800 entidades de 157 cidades gaúchas neste ano. Esta iniciativa da RBS TV, Jornal do Almoço, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS) e Rede de Bancos de Alimentos da FIERGS, contou com a participação da sociedade, formando uma verdadeira corrente de solidariedade para levar alimentos a quem sequer tinha o que comer.
Como membra da Ordem dos Advogados do Brasil e Diretora do Banco de Alimentos de Porto Alegre/RS, pude ter uma experiência incrível, momento em que ficou demonstrada uma grande capacidade de arregimentação, uma vez que foram envolvidos milhares de voluntários dos mais diversos setores da sociedade, que deram uma verdadeira demonstração de solidariedade e amor ao próximo. Ainda, foram milhares de horas trabalhadas, quilômetros percorridos, diversos eventos promovidos, e incontáveis sonhos de famílias, realizados.
As fotos abaixo demonstram o engajamento da campanha e, mais que isso, reforçam a ideia de que precisamos sempre buscar fazer a diferença na vida das pessoas, ressignificando nossas vidas e encontrando, dia-a-dia o real sentido da nossa trajetória.
Como advogada e, não menos que isso, como cidadã, sinto-me na obrigação de cada vez mais unirmos forças, “vestindo a camiseta” e colocando em prática toda a oportunidade, estudo, experiência jurídica vivenciada em prol de causas nobres como estas.
Estudar direito também é ter um olhar social!
Estudar direito é se preocupar com nossa sociedade, buscando o equilíbrio das desigualdades que ainda são vislumbradas.
Vejo que hoje mais que nunca este olhar aguçado e o desejo de contribuir socialmente é, também fruto do estudo que o curso de direito despertou, afinal não basta apenas o conhecimento da legislação, mas, também, necessitamos ter uma visão sistemática da vida em sociedade.
O direito sem dúvidas abre portas, abre mentes, abre oportunidades, abre experiências e, a nós, fica a reflexão de como queremos e aplicamos a ciência jurídica e social.
[1] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
[2] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
Conheça mais sobre o Banco de Alimentos: http://www.bancodealimentosrs.org.br/Inicial